domingo, 4 de setembro de 2022

DUZENTOS ANOS DA INDEPENDÊNCIA — UMA REFLEXÃO


DUZENTOS ANOS DA INDEPENDÊNCIA — UMA REFLEXÃO

Oficial R/2 de Cavalaria
Advogado

Lembro claramente dos festejos do Sesquicentenário, palavra estranha, utilizada para os 150 anos da Independência do Brasil, com base no prefixo latino “sesqui”, que significa “um e meio”.

Corria o ano de 1972 e, mesmo antes daquele “Sete de Setembro”, o ambiente nacional já celebrava o evento com músicas encomendadas, bandeiras e cartazes nas ruas, a par da propaganda do Governo Federal.

Chegamos, agora, ao ano de 2022. Meio século depois, o clima de comemoração é o mesmo?  Há diferenças marcantes! A efervescência social, dentre outros aspectos, parece reviver a década de 1964, com boa parte da população se apegando ao nacionalismo e muitos, inclusive, pedindo intervenção militar. 

Mas, quais seriam as causas dessa aparente volta ao passado? Uma resposta mais ampla está no desagrado da maioria, silenciosa e conservadora, contra uma minoria, barulhenta e esquerdista, que, direta ou indiretamente, comandou a denominada Nova República a partir de 1985.

Não há como negar que, nos últimos trinta anos, o país assistiu, inerte, à decadência de valores morais, com seu tributo à criminalidade, corrupção desenfreada em todos os estamentos, piora na educação e crises institucionais.

E, lentamente, foi sendo revelado que a nação estava sucumbindo ao “gramcismo”, método criado por Antonio Gramsci (1891 – 1937), pensador marxista italiano que pregava, para a “conquista revolucionária do poder”, a utilização do próprio jogo democrático, a par  da subversão, de forma pacífica e constante, dos valores culturais da sociedade ocidental, notadamente a família, a religião, a escola, e a pátria. 

O plano da camarilha socialista brasileira estava caminhando muito bem, porém surgiu um fator inesperado, que mudou o curso dessa história: as redes sociais, uma dádiva da Internet.

Com efeito, embora existente há mais de cinquenta anos, a Internet, sistema de conexões globais que permite o compartilhamento instantâneo de dados entre dispositivos, só chegou ao Brasil nos anos 90. E a primeira rede social, a já esquecida ORKUT, foi lançada no país em 2005, caindo no gosto dos brasileiros de todas as camadas.

Vale notar que o termo “mídia”, dantes mais utilizado na seleção de veículos publicitários, incorporou-se na expressão “mídia social” para definir o espaço ou canal, sites e aplicativos no linguajar corrente, que, via Internet, permitem, entre os seus usuários, a conexão, relacionamento, interação e compartilhamento de conteúdos.

O fato é que os tradicionais meios de comunicação, notadamente televisão e imprensa, que influenciavam os costumes e rumos políticos, começaram a perder peso, progressivamente, diante das mídias sociais mais populares, a exemplo do Facebook, Youtube, Instagram, Twitter WhatsApp e Telegram.

A consequência mais notável disso é que os valores do conservadorismo, até então mantidos na penumbra, com lampejos mais visíveis na atuação dos chamados grupos evangélicos, voltaram a se manifestar, mais precisamente com a surpreendente eleição presidencial, em outubro de 2018,  de um candidato contrário à ordem política-ideológica há décadas no poder.

Mas, que valores são esses, caros à maioria dos brasileiros?

O conservadorismo, como linha de pensamento, enfatiza a estabilidade das instituições sociais tradicionais, a exemplo da família e religião, preservando a ordem, a justiça e a liberdade.

O conservador, nessa trilha, defende usos e costumes, as tradições e suas manifestações culturais, a propriedade privada e o individualismo na esfera econômica, a identidade nacional e os princípios morais da civilização judaico-cristã.

Foi o conservadorismo dos brasileiros que, alavancado pelas mídias sociais e pela brisa de um nacionalismo renascido, pavimentou o caminho para que fosse eleito um governo de direita (conservador). 

Mas a manutenção deste posicionamento político segue precária, vez que o antagonismo do establishment defenestrado está alicerçado em três pilares poderosos: o Poder Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, a imprensa, representada pelos veículos tradicionais, e parte do Congresso Nacional, representada pelos partidos de orientação esquerdista.

Com isso instalou-se uma convivência paradoxal entre, de um lado, um governo pautado pela estabilidade econômica e seriedade administrativa, e, de outro lado, uma insegurança jurídica, com ataques às liberdades individuais, represálias legislativas, e ainda um cenário informativo maliciosamente adverso.

Estamos em 2022, ano da comemoração do Bicentenário da Independência. O progresso tecnológico se alastra pelo país, na velocidade possível. Relevantes obras de infraestrutura são completadas. Contudo, o ambiente revela sua face de afrontas aos direitos fundamentais, opressão e censura, partindo exatamente de quem deveria defender a Carta Constitucional.


Há, até, quem indague se as festividades deste “Sete de Setembro” serão pelos duzentos anos “da independência” ou “de independência”, pois a partícula prepositiva faz muita diferença na análise dos acontecidos.

Isso merece uma reflexão, envolvendo conceitos de liberdade, justiça e a própria ideia de independência.

Antes, porém, vale rememorar, de forma singela, as diferenças conceituais entre Estado, País e Nação. 

Estado é o conjunto de instituições que controlam e administram, de modo soberano e politicamente organizado, uma nação num dado território. País é a região geográfica que coincide com a área de um Estado.

Já para a definição de Nação, grupo humano sui generis, vou me valer das aulas do Mestre Ataliba Nogueira na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco: "é o conjunto dos que se originam da mesma cepa, falam a mesma língua, têm os mesmos usos e costumes, os mesmos sentimentos, as mesmas tradições, as mesmas aspirações, de tal sorte que tudo isto faz nascer a unidade étnica e histórica."

Resta claro que os “nacionais” são os integrantes de uma certa Nação, ao passo que “cidadão” é quem a lei define como tal, “povo” é o conjunto dos cidadãos, e “população” é o conjunto dos habitantes de um certo Estado.

De outro norte, quando lidamos com conceitos abstratos, mas de repercussão concreta no cotidiano, suas acepções invariavelmente são diversas: é o que ocorre com a noção de LIBERDADE e a de JUSTIÇA.

E, no que interessa ao nosso tema, desde logo cabe asseverar que, nos dicionários, LIBERDADE é sinônimo de INDEPENDÊNCIA, ao lado de “autodeterminação” e  “autonomia”.

Recorrendo à etimologia, observe-se que a palavra grega eleutheria significava a liberdade de movimentar o corpo sem restrições por parte de alguém, ou seja, a ausência de limitações e coações, vez que a liberdade era uma qualidade do cidadão, o homem considerado livre na estrutura da polis.  

Em Latim, libertas, derivação de liber (livre), significava a condição do indivíduo capaz de fazer escolhas pela própria vontade, vale dizer, o “homem livre” por oposição ao “escravo”, o subjugado, aquele com restrições na possibilidade de “ir e vir”.

Nota-se, portanto, que desde a Antiguidade a expressão da liberdade era sobretudo política, valor que permanece na atualidade como sendo o conjunto de direitos de cada cidadão, traduzido no poder de exercer a sua vontade dentro dos limites da lei. Assim, o Direito, didaticamente, distribui esse predicado em segmentos, a exemplo das liberdades de opinião, de imprensa e de professar um credo, dentre tantas outras.

Já mesclando-se filosofia e religião, numa profunda síntese, pode-se dizer que liberdade é a possibilidade de realizar escolhas orientadas pela vontade decorrente do livre-arbítrio. 

JUSTIÇA, por outro lado, tem origem no Latim justitia (equidade, administração da Lei), de justus (correto, justo), de jus (direito escrito, lei). Justitia tinha, ainda, os sentidos de exatidão (do peso), bondade e benignidade.

A Justiça é o predicado que corresponde a um estado equilibrado de interação social, razoável e imparcial, preservando os direitos de cada indivíduo pelo respeito aos seus interesses e oportunidades.

Em outras palavras, a Justiça, como princípio mantenedor da ordem social, deve aplicar a lei de forma igualitária entre os cidadãos, proporcionando-lhes os mesmos direitos e garantias.

A Justiça, excludente da barbárie, é o elemento criador e garantidor da Liberdade. Então, sem Justiça a Liberdade fica comprometida! A Justiça, materializada no ordenamento jurídico, é que precede a Liberdade. Reconhecendo isso, o filósofo inglês John Locke (1632 - 1704) afirmou: “Onde não há lei, não há liberdade!

Cumpre falar, agora, da palavra “independência”, substantivo que significa o estado de quem goza de autonomia, de liberdade em relação a algo ou alguém.

Sua forma verbal – “independer” – significa, obviamente, “não depender”, com as acepções de “não estar sujeito a, atrelado a, subordinado a, ou sob a influência de algo ou alguém”.

Com a INDEPENDÊNCIA, a nossa pátria se libertou das amarras políticas em relação a Portugal, desencadeando três surgimentos notáveis: o Brasil como país soberano, única monarquia da América do Sul, e o sentimento da nacionalidade “brasileira”.

Soberania, vale lembrar de forma sintética, é o poder que um país revela ao apresentar total controle, domínio e poderio dentro do seu território. Todavia, mesmo soberanos, todos os países dependem uns dos outros na sua existência nacional.

Mas não é o escopo desta reflexão tratar dos pormenores históricos destes duzentos anos que se comemora. Prefere-se perquirir que grau de independência o Brasil alcançou nestes dois séculos de autonomia. Em outras palavras, que níveis de dependência ainda afligem o país.

O verbo “depender”, dentre outros significados, traduz “sujeição” e “subordinação”. Não há como olvidar, nesse diapasão, que a Proclamação da Independência inaugurou, para a nação brasileira, uma série de “dependências”, sendo que uma delas persiste até hoje.

Com efeito, o processo histórico de separação entre Brasil e Portugal se estendeu até 29 de agosto de 1825, quando, após mediação da Inglaterra, o Reino português acabou reconhecendo a Independência do Brasil através do Tratado de Paz e Aliança, ao custo de uma indenização de dois milhões de libras esterlinas.

Então, a primeira, e ainda vigente subordinação do país, consiste na dependência econômico-financeira ao capital internacional, que teve graves flutuações ao longo da história, sendo certo que o chamado “serviço da dívida”, total de juros pagos e capital reembolsado, muito comprometeu o crescimento do Brasil.

Esclareça-se que a dívida externa brasileira nunca foi paga: apenas as nossas reservas internacionais tornaram-se maiores que a dívida externa, situação que se mantém nos dias atuais.

E, ainda olhando para a atualidade, podemos apontar dependências em relação à entrada e saída de capitais estrangeiros, cujo incompreensível humor costuma afetar as Bolsas de Valores com seu potencial gerador de crises financeiras.

Permanecendo na esteira financeira, outra sujeição do Brasil liga-se ao cacoete de “terceiro mundo” pelo fato de ser um grande exportador de commodities, produtos de origem agropecuária ou de extração mineral, em estado bruto ou com pequeno grau de industrialização, produzidos em larga escala e destinados ao comércio externo. 

Realmente, a dependência se atrela, ora aos humores dos principais importadores dessas commodities, ora às flutuações dos seus preços, que são determinados pela oferta e procura mundiais, ditados por Bolsas de Comércio internacionais.

Há, contudo, dependências que poderiam ser evitadas, caso houvesse, no país, políticas sérias que pudessem ser, de um lado, blindadas contra a corrupção dos favorecimentos, e, de outro lado, ressalvadas das ideologias pseudo-protecionistas. 

Refiro-me à questão dos medicamentos, equipamentos e suprimentos hospitalares, e aos insumos e fertilizantes caros ao agronegócio. A recente pandemia mostrou que país nenhum pode ficar na dependência de outros poucos quando a questão envolve a saúde da sua população. 

Quanto aos fertilizantes potássicos com nutrientes do complexo NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), indispensáveis para mantermos o ritmo de maior exportador de produtos agrícolas, sua importação foi comprometida com a guerra entre Rússia e Ucrânia. No entanto, o país só não é autossuficiente porque suas reservas permanecem intocáveis em áreas indígenas, ou de proteção ambiental exagerada.

En passant, poderíamos falar da questão do petróleo e, de novo, da corrupção que frustrou a suficiência no refino de diesel e gasolina. E também de inúmeros outros itens relativos à industrialização, só para dizer que, malgrado sejam produzidos no país, quase toda a tecnologia provém de multinacionais estrangeiras.

Resta comentar uma outra dependência do país no que concerne a um item quase desconhecido, mas de fundamental importância. Trata-se dos semicondutores, materiais fabricados notadamente com silício e germânio e que, pela sua especial resistência para a condução de correntes elétricas, são largamente utilizados na fabricação de componentes eletrônicos (placas e chips).

São eles a  principal matéria-prima para a produção de circuito usados nos aparatos eletrônicos do nosso dia a dia, como automóveis, aeronaves, eletrodomésticos smartphones, videogames e computadores, e inclusive chips de ponta para a indústria aeroespacial e sofisticados armamentos.

Pode-se dizer que tanto um relógio de pulso, um cartão de crédito e uma estação espacial dependem da mesma indústria para continuarem existindo: a de semicondutores.

A fabricação de semicondutores está quase que exclusivamente localizada em Taiwan, e, em decorrência da recente pandemia de Coronavírus, sua produção foi reduzida, causando a “crise dos chips”, interrupção de linhas de montagem na maioria dos setores mundiais da indústria, fato que acarretou a dispensa de um número imenso de trabalhadores, inclusive no Brasil.

Mas há uma luz no fim desse túnel: um governo conservador, que já está resolvendo a crise hídrica do nordeste brasileiro, está preparando as novas bases energéticas da região, com fundamento na energia eólica, de modo a catapultar, em futuro próximo, uma espécie de Vale do Silício tropical.

E não é só: em até cinco anos, o Brasil vai se tornar autossuficiente na produção de trigo, dada a adaptação desse cereal ao solo do Cerrado. E mais: toda a produção agrícola já está se beneficiando da ampliação da infraestrutura de transportes, com novas linhas férreas, melhores estradas e portos revitalizados.

Há, portanto, esperança de transformar as nossas dependências econômico-financeiras em INDEPENDÊNCIA, sinônimo de LIBERDADE, que só pode surgir da JUSTIÇA.

Fica, então, faltando romper a dependência sociopolítica, varrendo de vez os corruptos e os inimigos da Pátria encastelados nos Poderes da República, e repondo, no Judiciário, a estrita observância ao ordenamento jurídico, até porque “Onde não há lei, não há liberdade!”

Enfim, nossa reflexão, às vésperas do Bicentenário da Independência, repousa na palavra LIBERDADE, precioso bem, maior que a própria Vida segundo muitos, vocábulo tão querido dos brasileiros, com lugar cativo nos hinos: “O sol da liberdade em raios fúlgidos” e “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós”.

Finalizo lembrando que os inconfidentes mineiros, para marcar a bandeira da Capitania de Minas Gerais, no final do século XVIII, adotaram uma expressão latina tirada de um verso do poeta romano Virgílio: Libertas quæ sera tamen.

Com isso traduziam: “Liberdade ainda que tardia!” No entanto, para tal bastariam as palavras latinas Libertas quae sera. Isso porque a conjunção adversativa tamen significa “todavia”.

Assim, com as vênias de quem pensa diferente, a bandeira de Minas Gerais, na atualidade, carrega a seguinte frase, na sua tradução literal: Liberdade ainda que tardia, todavia.

Vamos incorporar os sinais dos tempos e tomar esse equívoco histórico como uma advertência, semelhante à que foi feita em 1790 pelo americano John Philpot Curran: “The price of freedom is eternal vigilance!

Ou seja: “O preço da liberdade é a eterna vigilância!”