sábado, 7 de novembro de 2009

O Viralata










Sei que nunca fui poeta,
Muito menos escritor,
Mas pra contar essa história
Desse cão que conheci,
___ Tinha o corpo todo branco,
tinha o rabinho cotó,
na cabeça a mancha escura
que lhe cobria as orelhas___
Minha gente eu me arrisquei
A passar qualquer vexame
Pra deixar aqui gravada
A história do “Totó” !

O escarcéu era enorme
E maior ainda a sujeira.
O odor que exalava
Impregnava as narinas,
E a impressão era medonha.
Tudo era grande, era enorme,
Era no superlativo.
Tudo, menos o autor
Pois não é que o estardalhaço
Vinha de uma brincadeira
De um trigueiro viralatas.

Tinha o olhar matreiro,
Sobre as patinhas traseiras
Sentado, a abanar a cauda,
O cão se divertia ao ver
Tanta coisa ao seu redor
Pelo chão esparramada.
Desapontado, embora,
Pois que não encontrara
Uma coisa só que servisse
Pra saciar a sua fome...
Apenas lixo e sujeira.

Mas o seu olhar criança
Não se deixa apagar,
Que ainda tem esperança
De alguma coisa encontrar.
Uma pulga atrás da orelha
Atrevida a lhe coçar,
Uma ferida em sua pata
Que insiste em incomodar
Não são motivos para o cão
Na vida não acreditar,
E ainda se alegra a brincar.

Uma senhora que passa
Vendo a sujeira da rua
E o viralatas maroto
Ao lado, a se espreguiçar,
Não disfarça sua ira.
Numa explosão bem humana,
O nojento animal
Ela decide expulsar.
E o cão, pobre coitado
Sua área de folguedos
Se vê obrigado a mudar.

Descendo a rua, contente,
Um garoto de família
___ gente bem, da sociedade ___
Vem chutando uma latinha,
Despreocupado, a cantar,
E o cãozinho, esperançado,
Vê uma nova brincadeira,
Novo amigo a conquistar.
E lá vai ele, todo aceso,
Rápida a cauda abanando,
E a latinha vai buscar.

“Sai pra lá, seu viralatas,
Cão vadio e até sarnento,
Deixa em paz minha latinha
Que quero, sozinho, chutar.”
E o cãozinho, cabisbaixo,
Uma outra brincadeira
Decide-se a procurar.
Mas sua tristeza é fugaz,
De novo a cauda balança,
É que ele viu a criança
A latinha abandonar.

E lá se vai o maroto
Atrás da latinha outra vez.
Mas não é que o garoto
Fez aquilo de propósito
Só pra dar uma pedrada
No ousado viralatas
Que sua nobre brincadeira
Intentara interromper;
E o cãozinho, atordoado,
Com maltrato acostumado,
Vai-se embora avergonhado.


Mas sua ira passa logo
Que de novo o menino
Um gesto amigo lhe acena
Tendo ao lado um companheiro.
E lá se vai o cachorrinho
Iludido de que, agora,
O brinquedo é pra valer
Mal sabendo, no entanto,
Que a intenção dos meninos
Embora lhe acenassem,
Em nada tinham mudado

E o pobre cão viralatas
Virou o centro do mundo
Nessa infernal brincadeira;
Pois não é que lhe amarraram
À cauda aquela latinha
E ainda por cima acenderam
Assustadora bombinha
Da qual o forte estampido
Em meio às gargalhadas
Se misturou aos ganidos
Do apavorado cãozinho.

Em apressada carreira,
Lamentando sua sorte,
Desceu o animal a ladeira
Acabando por perder
Na corrida, a latinha;
Mas eis que, sem dó, o barbante
Que lhe amarraram na cauda
Os dois travessos meninos,
Sangrar a pele lhe fez,
Mas, bastaram umas lambidas,
Pra o assunto ele esquecer.

Alerta, de orelha em pé,
Ouve o grito de um moleque,
O barulho de uma bola,
E lá se vai o maroto
Co’a molecada brincar.
E a história se repete
Sendo, a bola, o viralatas,
Que a garotada sem dó
Não cansava de chutar,
Enquanto o pobre coitado
Lutava por escapar.



Cabisbaixo e dolorido
Decidiu, o viralatas,
Que brincar com a garotada
Não iria nunca mais,
Pois em toda brincadeira
Que se atrevera a entrar
Todo mundo se alegrava
E ria despreocupado,
Só ele é que não entendia
Onde estava, nisso, a graça
Que doído ele saía.

Já fizera um escarcéu
Naquela lata de lixo
E fora expulso da rua;
Correra atrás da latinha
E tivera a cauda a sangrar;
Sem falar no baita susto
Por causa da tal bombinha.
Todo doído e faminto,
Esquecer as brincadeiras
E tratar logo do almoço
Decide o alegre cãozinho.

Uma hora uma pedrada
Outra hora o “sai pra lá”,
E assim transcorria a vida
Daquele cão solitário
Que, apesar do que sofria,
Achava a vida alegre,
E valia ser vivida,
Pois sempre achava comida,
Sempre matara sua sede,
E um canto qualquer lhe servia
À noite, como guarida.

Olhar aceso e matreiro,
Uma lição de otimismo
Era a lida do cãozinho,
Uma verdadeira criança
A espalhar confiança
Na vida que se apresenta,
Sabendo quando esquecer
Os maltratos recebidos,
E também perdoar,
Mostrando que o amor
É o sentimento maior.



Que no amor se engloba a dor,
A alegria e a confiança,
A lembrança e o perdão,
E é, sobretudo, no amor
Que se alimenta a esperança,
A chama que nos faz crer
Que dias melhores virão,
Pois viver sem esperança,
Sem sonhos, sem amor,
É só passar pela vida
Sem realmente viver!

Essa era a filosofia
De um cão, errante e vadio,
E era bem superior
À de muita gente bem,
Que só reclama da vida
E constantemente se esquece:
De tudo que se recebe
Logo, o bem é esquecido
Só o mal é que é lembrado.
Justamente o contrário
Do que demonstrava o cãozinho.

Mas um dia, distraído,
O pobre viralatas
Ao fugir de uma pedrada,
Nas rodas de um caminhão
O seu fim ele encontrou.
Ninguém sentiu sua agonia,
Ao contrário, reclamavam
Do transtorno que causava
O animal ali no asfalto
Obrigando a desviar
Todo o trânsito da rua.

Mas o que ninguém sabia
É que o pobre animalzinho
Assustado com o alvoroço
Ali, no meio da rua,
Ainda assim não se queixava
Do triste fim que avizinhava;
Não chorava suas dores,
Não reclamava da vida,
Nem se assustava com a morte.
Até esquecera as pedradas
E a todos perdoava.



Mas o que naquela hora
O viralatas mais sentia
Era a falta de um amigo
Que lhe coçasse a cabeça,
Que lhe fizesse um afago,
Que o levasse pra bem perto
Da molecada da rua,
Que o cãozinho não queria
Ser estorvo pra ninguém,
Mormente naquela hora
Em que ele se despedia...

O que mais me comoveu
Foi ver o animalzinho
Que a vida só maltratou,
Sentindo a morte chegar,
Pra demonstrar que ainda amava
Ao mundo que o rejeitou,
Em um esforço supremo
Apesar do que sentia,
Sua cauda ele abanou
E assim permaneceu
Até que a morte o levou...

Sei que nunca fui poeta,
Muito menos escritor,
Mas pra contar essa história
Desse cão que conheci,
___ Tinha o corpo todo branco,
tinha o rabinho cotó,
na cabeça a mancha escura
que lhe cobria as orelhas___
Minha gente eu me arrisquei
A passar qualquer vexame
Pra deixar aqui gravada
A história do “Totó” !


Alberto Sergio C. Pierro

APML – Cadeira No. 08

Nenhum comentário:

Postar um comentário